Dança e cinema 1
Duas expressões da arte que amo demais!
Mas não quero falar de filmes de dança e sim daqueles onde uma sequência de dança deixa você flutuando como num estado de graça!
O primeiro que vem na minha cabeça é Retratos da Vida (Les uns et les autres), obra prima do diretor francês Claude Lelouch, de 1981. No filme, a vida de três gerações de quatro famílias em diferentes países (Rússia, França, Alemanha e EUA), todas ligadas pela música, são afetadas pela Segunda Guerra Mundial.
Suas vidas se cruzam ao final do filme, em uma cena marcante: um grande concerto pela paz embaixo da Torre Eiffel, promovido pela Cruz Vermelha. Bailarinos, cantores, músicos e maestro se reúnem para celebrar a vida.
Em suma, um filme de mais de duas horas e meia de duração, com um final apoteótico de mais de dez minutos graças à sensualidade da coreografia de Maurice Béjart, à interpretação excepcional de Jorge Donn e a intensidade do Bolero de Ravel.
Por isso, cada vez que ouço o Bolero, o primeiro que vem na minha mente é Jorge Donn.
Jorge Donn nasceu em 1947 em Argentina e morreu precocemente por complicações do Sida em Lausanne, Suíça, aos 45 anos. Começou a dançar de pequeno no Instituto de Arte do Teatro Colón. Em 1963, nesse mesmo teatro, o Ballet do Século XX, companhia de Maurice Béjart, se apresenta em Buenos Aires pela primeira vez. Nessa mesma gira, a companhia se apresentaria também no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Ao finalizar o espetáculo, um garoto corre até seu ídolo, Béjart. Com 16 anos, corpo magro e reto, rosto meigo e nervos alterados, Donn pede ao coreógrafo permissão para assistir as suas aulas. O mestre aceita. No fim da aula, quase sem pensar, o jovem pede ir com ele para a Europa e formar parte da sua companhia. Béjart responde que estão completos e que ele é muito jovem ainda. Mas Jorge já está decidido. Compra uma passagem de barco só de ida para a França. Três meses mais tarde participa das aulas de Béjart. Um dos bailarinos da companhia adoece e Jorge o substitui. Três anos depois, ele inspirava as peças de um dos mais importantes coreógrafos da história moderna da dança: Maurice Béjart.
A crítica internacional descreveu a Jorge Donn como uma personalidade magnética, com vigor atlético e fluido lirismo, identificando-o como um ator do movimento. Foi muitas vezes comparado a um felino, pelas suas caraterizações, sua sensualidade e pelos seus cabelos cacheados longos e loiros.
Teve como partners inúmeras estrelas do balé mundial como Maia Plissetskaia e Márcia Haydée. Passou pelo New York City Ballet, onde trabalhou com George Balanchine e participou também de produções nos teatros mais importantes do mundo, incluindo o Bolshoi.
Béjart criou sua primeira versão para o Bolero em 1961, dançada por homens, tornando-a uma de suas obras mais importantes. Ele manteve o argumento original: o solista que dança sobre uma mesa e contagia outros dançarinos à sua volta. Em Retratos da Vida, Jorge Donn a imortalizou.
Para quem acha o Bolero entediante, compartilho outra cena de dança do filme, de grande beleza visual: Jorge Donn dançando em um majestoso palácio ao som do 4º movimento da 7º Sinfonia de Beethoven.
Sobre o Bolero
Criado em 1928, é a obra mais conhecida do compositor francês Maurice Ravel (1875-1937) e uma das mais populares de todo o repertório clássico. De fato, o Bolero é executado a cada dez minutos no mundo.
Ravel tinha concordado em escrever um balé com acento espanhol para a dançarina russa Ida Rubinstein. A melodia simples é repetida por 169 vezes, em crescente, até finalmente liberar a tensão reprimida em uma explosão catártica.
O Bolero, com coreografia de grande sensualidade assinada pela renomada Bronislava Nijinska, irmã do bailarino Nijinski, estreou na Ópera de Paris e foi recebida com estardalhaço por uma ruidosa plateia que aplaudia e berrava. Uma mulher foi ouvida gritando: “O louco! O louco!” referindo-se ao compositor. Quando Ravel soube do ocorrido, teria respondido: “Aquela mulher… ela entendeu”.
Fontes: Enciclopédia Latino-americana; cinepipocacult.br.